quinta-feira, 19 de julho de 2012

As Aventuras do Pai Luiz

<<E defendendo-se sob o retinar das adagas no cerne do seu cabo de relho de coronilha fazia uma retirada de costas dizendo:--"Negro de Claudino Marcelino de Souza não se entrega!">>

AS AVENTURAS DO PAI LUIZ
Voltando à vaca fria,como diz o gaúcho,não poderia deixar na poeira do esquecimento uma passagem contada pelo saudoso Prudêncio Soares da Porciúncula ao sabor do trote da nossa tobiana pelas quebradas desse Rio Grande indomável.

O primo Prudêncio,como chamávamos em família,era a alma condutora das tropeadas dos meus oito anos,pois era um capataz amigo e sabia amenizar os sóis caustigantes e as troteadas monótonas da cavalhada com as suas histórias e anedotas de arrancar gargalhadas.

A história que aqui farei desfilar,embora pareça fantasia,dera-se nas redondezas da Serra das Asperezas.Pois bem ,meu avô Claudino,cujo sangue também deslisa nas veias do amigo,por ser seu bisavô,tinha um escravo que o chamavam Pai Luiz,a quem trago para este bilhete por ter sido também um traste da Serra das Asperezas.

Enquanto o Ezequiel e o Jeremias quebravam a cola do redomão para visitarem as mulatas da encosta da Serra,Pai Luis ia jogar "osso" no bolicho da vizinhança.Um dia Pai Luis lá se foisofrenando o pingo de cancela em cancela e goleando um trago de bodega e bodega para as corridas do Cerro da Liberdade,então Cerro Pelado,com o seu inseparável facão de mato,o "tira teima" como chamava ele.

Em carreiras o "osso" ponteava a cancha sem os olhares de preconceitos de classe ou raça,pois jogavava o rico e o pobre,o branco e o preto.

Pai Luis não fatalva com a sua taba mágica,pois manejava-a com autoridade.E no regresso das carreiras garganteava a sua guaiaca embarrigada de patacão em patacão,cuja féria ia contando ao rodar da cuia no borralho do fogão da Fazenda.Contava as misérias de seu facão nos INTREVEIROS das carreiras,descendo orelha de um,abrindo estradas na cara de outros!...No fim...pura fantasia,pois quando via reluzir a lâmica do facão ou o negrume da fumaça da garrucha era ele o primeiro a achar o mato,pois Pai Luis era um negro ordeiro e não queria complicações!...

Ele não esquecia o passeio dos parelheiros no partidor,e ao ouvir o "já se vieram" agigantava a massa com a sua guaiaca corcoviando no espaço com o seu clássico desafio "a minha guaiaca é luz no cavalo rusio!..." (Rosilho).

Uma noite,Pai Luiz voltou das carreiras do Cerro Pelado no tranquinho do cavalo arquitetando talvez as suas bravuras imaginárias,porém,um tanto "malhado" de umas cachaçadas que tomara.

Lá pela cruz do caponete da velha Fazenda do tio Alfredo,hoje do Gucho,por herança,Pai Luiz deu de rédea para a esquerda,e com o pingo pelo cabresto adormeceu na grama sob a coberta negra da noite.E enquanto o cavalo pastava pelo freio,Pai Luiz sonhava com a sua guaiaca vomitando onças e mais onças no borralho do fogão da Fazenda.Comprara o Cerro Pelado,em cujas entranhas estava a mãe do ouro que se mudara do Cerro dos Azambujas(Américo Azambuja)!Comprara escravos para o seu Sinhô!As onças se enfiavam pela garganta da guaiaca como formiga mineira!...

De repente...um estouro!...Pai Luiz salta da cama verde como boi arisco,berrando a todo pulmão:--Foi-se a mãe do ouro...foi-se a mãe do ouro!...Eram os nossos parentes Abél e Viriato Marcelino de Moraes e Hercilio Marcelino de Souza que descarregaram as pistolas para assutá-lo.E sob gritos do quero-quero no fundo da escuridão da noite bolearam a perna e atacaram à adaga o "valiente" das rodadas do chimarrão!

Pai Luiz não os reconheceu,mas também não se mixou!...E defendendo-se sob o retinar das adagas no cerne do seu cabo de relho de coronilha fazia uma retirada de costas dizendo:--"Negro de Claudino Marcelino de Souza não se entrega!"

Já cansado e talvez ainda meio "malhado" enredou-se nas esporas e caí de costas,em cuja situação continuou defendendo-se e assim berrando:--"mi mati,mi mati covardes!..." E negaciando as lâminas afiadas dos "assaltantes" arrancou a sua xerenga de picar fumo,pois o facão ficara na cabeça do lombilho com o vidro de curar bicheira!

O duelo continuava...agora saindo xispa!Nesta altura tio Abél risca um fósforo...e Pai Luiz os reconhecendo exclamou:--"Puxa!...Que susto me deram!..."E repreendendo-os disse ainda:--"Meninos,vão pra casa dormir,isso não são brinquedos que se faça!..."

O susto passou,e com o coração aliviado Pai Luiz partiu confraternizado com os seus assaltantes.

Na manhã seguinte à "peleia" era comentado por Pai Luiz ao sabor de um churrasquinho e do mate chimarrão,assim gargantiando:--"Puxa!a coisa esteve feia,mas que se me adeverti ,me adeverti mesmo!..."

Pai Luiz nunca disse quem foram os seus assaltantes,criando em torno de si a lenda do valentão da zona!...

Para também contar esta hitória,se não lhe falhar memória,temos o preto João Pereira de Souza (João Velho) um dos remanescentes dos filhos de Pai Luiz,e do histórico Sítio de Rio Negro,cujo físico,embora carcomido pelo anos,lá está como cerne de aroeira na Estância do nosso parente Alcides Marcelino de Souza (Gucho) contando as gauchescas do seu tempo.

Pai Luiz,que morrera com a Graça da Princesa Isabel (emancipação dos escravos),está sepultado ali à margem da estrada,onde,"cozinhando uma cachacinha" ,sonhara com tanta riqueza!

<<<Meu amigo Alencar,os personagens desta hitória já morreram,e para que ela não morra também fica aqui nas páginas deste bilhete.>>>

Meus amigos leitores,hoje os personagens desta história,o José Alencar Souza Moura à quem este livro foi dedicado e o autor do livro também já morreram,então como disse o autor,"e para que ela não morra também" fica aqui nas páginas virtuais.

Este causo foi extraído do livro "Um olhar às Pedras da Serra",bilhete à José Alencar Souza Moura escrito por:CAPITÃO OLÉPÉ (Oleto Pereira) em Setembro de 1954.Editora não divulgada no livro.

Transcrito na quinta-feira, 19 de julho de 2012----00:05:45

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